A cisão do culto ao corpo
A cultura empreendedora é mormente alimentada pela visibilidade na valorização do corpo.
O eu é o corpo. Errôneo ou não, no escoar do contemporâneo, o eu está vinculado ao corpo, na subjetividade reduzida ao corpo, a sua aparência, a sua imagem, a sua performance, a sua saúde, a sua longevidade. Desse modo o corpo foi submetido a um ascese por preceitos científicos e estéticos. É preciso aparecer para ser.
A alma que foi o culto por cerca de dois milênios e meio pelos gregos, está se desvinculando, isto é, o culto da racionalidade, da razão, do intelecto, na capacidade do ser humano ser racional. Essa cisão entre corpo e alma está sendo articulada por imperativos que consagram ao corpo o papel de sujeito ativo na vida social. O conceito de ‘cuidado de si’ remontada na antiguidade grega, onde uma das grandes regras de conduta da vida social e pessoal baseia-se no fundamento da arte de viver, trazida por Michel Foucault em “Ditos e Escritos, volume IX”.
Na cultura contemporânea do cuidado de si como uma cultura baseada no cuidado com o corpo. Dessa transformação, o cuidado de si foi para o empreendedor de si, no corpo posto em evidência pela midiatização global de um corpo empreendedor.
O filósofo alemão Byung-chul Han, traz no seu livro “Sociedade do Cansaço”, que estamos caracterizados por uma sociedade de desempenho, onde há uma busca implacável pelo aperfeiçoamento e pela concorrência. O desempenho descrito por Han está ligado à forma de exploração do corpo em processo de fortalecimento de produção no regime neoliberal.
No avanço da modernidade, a partir do final do século XX e início do século XXI, forjados pelo capitalismo, o processo de avanço da globalização da cultura, houve um afastamento do sujeito pela política e há explosão do espetáculo midiático permeando o tecido social. Daí a onipresença do corpo e também a virtualização monetária do capital financeiro e a hegemonia do sistema econômico neoliberal. Um conceito modal desenvolvido na década de 1970 por Michel Foucault, trata do capital humano, onde o homo oeconomicus é um empresário de si mesmo.
O empreendedor de si é projetado para o outro. A cultura empreendedora é mormente alimentada pela visibilidade na valorização do corpo, investimentos na estética e na moda. Em outras palavras, na cultura do corpo, sempre direcionado no retorno financeiro. Consolidando processos de massificação pela mídia e ao mesmo tempo, individualizando, pela concorrência.
Assim, na existência do cuidado de si foi retirando reflexões éticas e morais da alma, ganhando características do culto do corpo. É possível que o cuidado de si, englobe corpo e alma, ficando uma via de mão dupla?